Soberania: qualidade ou estado de autoridade,
poder supremo
Rainhas Africanas
Soberanas
ancestrais
Apagaram a nossa
história e fizeram-nos acreditar que éramos uma selva sem governantes. Que
nunca escrevemos, que nunca estudámos. Que nós mulheres éramos nada mais do que
alimentadoras e parideiras. Que história fantasiosa é essa?
Sobre as poucas
rainhas africanas que tive a possibilidade de ler, reparei que havia também nelas
um poder e controle sobre o seu corpo, a sua sexualidade, a sua linhagem e
descendência. Uma independência e controle sobre a sua feminilidade e saúde
sexual e reprodutiva que não nos foi transmitida, que foi cortada, dissolvida.
Ouvimos que Cleópatra,
poderosa estadista, tremendamente estratega e inteligente que, tinha vários
amantes, mas ouvimos isso contado como uma vergonha para uma mulher, como o
comportamento que manchava a imagem da rainha, que a desvalorizava como mulher
e portanto como soberana, apesar de não se poder ter escondido o valor dela,
alguma coisa se deveria então mencionar-se para a diminuir. Cheguei a
perguntar-me “e se o mundo era diferente naquela altura? E se naquela altura os
papéis estavam invertidos e tal qual como hoje o homem é ovacionado por ter
várias mulheres, era a mulher naquela altura que era? Não é afinal um sinal de
poder quando um homem tem várias mulheres? Ou, se pura e simplesmente as
mulheres naquela altura eram mais donas de si mesmas, do seu corpo e do seu
dizer do que são hoje em dia, e depois foram derrubadas para se estabelecer a
nova ordem que hoje conhecemos tão bem e com a qual lutamos para a quebrar.
Quantas mais
rainhas poderosas teve a nossa Afrika?
Yaa Asantewa, raínha Ashanti no Ghana, que resistiu
contra o colonialismo Inglês. Nefertiti do antigo Kemet, hoje Egipto que
uniu em paz duas facções do Kemet que viviam em guerra. Makeda, raínha
de Sheba, antiga Etiópia que desenvolveu o seu reino tornando-o tão grandioso e
poderoso que o próprio Rei Salomão descreve-a como a epítome da beleza e de
poder na bíblia. Kandake Amanirenas, também conhecida com Candace,
que expulsou os Romanos do Sudão…Tantas são as poderosas mulheres do nosso
continente, muitas mais há, são dez pelo menos as mais famosas, que aqui só eu
não poderia descrever.
Nossa Nzinga
também tinha o controle do poder do seu reino!
E controle do
poder da sua fertilidade, do seu corpo. Não teve tantos filhos quanto aventuras
sexuais, e esse conhecimento do seu ciclo e como evitar gravidezes já naquela
altura o tinha, quando não existiam as pílulas a que hoje vivemos aprisionadas
acreditando ser a melhor forma de controlo concepcional… Ou teria tido
problemas de fertilidade? Encho-me de perguntas e apetece-me viajar no tempo
para simplesmente observar três ciclos menstruais de cada uma dessas mulheres e
aprender com elas.
A sabedoria das
nossas ancestrais que se perdeu, que faz sentir-nos a nós perdidas, sedentas por
informação sobre nós mesmas, precisa ser resgatada. Como se posicionavam as
nossas ancestrais na vida, na família e na sociedade, no trono de poder que
ocupavam antes de terem chegado cá as regras do norte, com que fomos
mentalmente reprogramas?
Como pode ser que
a sabedoria completa sobre o funcionamento do corpo feminino é detida exclusivamente
pelo médico?
Como pode ser que
a decisão sobre quando e como começar uma vida sexual não seja feita pela
mulher com informação e autonomia e soberania?
Como pode ser que
a decisão de engravidar e quantas vezes engravidar escapa do controle da mulher
e se transforma numa pressão familiar, social e do marido?
Como pode ser que
haja tanta crítica negativa e maldade à volta de uma mulher que esteja a
batalhar com infertilidade?
Como pode ser que
haja tanto taboo à volta do que significa ter um útero e uma vagina?
Eu me posiciono
hoje para falar sobre aquilo que é sermos rainhas dos nossos ventres. É nosso
território, mora dentro de nós, carrega informação genética e emocional de
gerações passadas e gerações vindouras, carrega poder da força criadora. É o
nosso reino!
O nosso ventre é
reverenciado por várias culturas como a DIVINA MÃE. É indiscutivelmente
sagrado! No entanto, a maior parte de nós mulheres não tem a soberania desse
reino dentro de nós.
Porquê? E
especialmente em Afrika, como é que um continente cheio de mulheres poderosas
liderando reinos, nações e impérios, passou a ser um continente em que as
mulheres não têm nem a soberania dos seus próprios corpos? Certamente não é
porque não queremos.
Sermos soberanas
do nosso ventre é sermos soberanas da nossa vida como mulheres. As decisões
sobre a nossa vida reprodutiva condicionam todas as outras áreas da nossa vida.
Condicionam todas as nossas escolhas e decisões académicas, sociais,
profissionais, condicionam a nossa saúde física, mental e emocional. Termos a sabedoria de como se dão os ciclos
menstruais, e os ciclos de vida das mulheres, desde o nascimento até à morte,
de como eles se relacionam com a natureza as estações e a lua, e de como
pessoalmente se dão esses ciclos em nós, porque eles variam também de mulher
para mulher, é crucial para que tomemos decisões e ações na nossa vida.
Os nossos ciclos
de vida nos ensinam que temos a fase da Donzela em que a mulher é criança e
adolescente, em que é livre, não pertence a ninguém e é completa em si mesma… Principalmente
na fase da infância as meninas são selvagens e o aspeto selvagem delas não deve
ser domesticado, pois é a sua essência que ela deve conhecer nessa fase, para
que aprenda a ser fiel a ela mesma, e não a ser subjugada por outros. Depois
mais à frente na adolescência, ainda deixando esse espírito selvagem de certa
forma livre, é preciso que a mulher mais velha cuide da mulher adolescente com
especial carinho, pois o poder dela agora começa a crescer, e ela precisa
aprender a lidar com ele. O seu sangue vai começar a descer e aí entram na sua
função educadora os ritos de iniciação, que dão a conhecer à mulher adolescente
os segredos da sexualidade, da transição da fase da Donzela para a fase da Mãe
e do novo ciclo em que ela entra agora, o menstrual.
O nosso ciclo
menstrual deve ser conhecido por cada uma de nós, pois nos permite organizar a
nossa vida mensalmente segundo a nossa energia, controlar o nosso humor e
comportamentos, e também planear a nossa vida segundo os nossos planos de
maternidade. Existindo eles ou não, querendo nós ser mães ou não, é conhecendo
o nosso ciclo menstrual que sabemos quando temos chances de engravidar, quando
não e o que fazer para engravidar ou para não engravidar de forma natural, sem
precisar de químicos, só tendo o controle do poder reprodutor do nosso ventre.
É importante
conhecer cada uma das fases do ciclo menstrual- a fase da menstruação, que
marca o início do ciclo e está dentro da fase folicular aquela que prepara os
óvulos para serem libertados, a fase ovulatória, que acontece, dias depois de
pararmos de sangrar, é a fase em que os óvulos preparados são libertados e em
que há as mais altas chances de engravidar- é o período fértil-, e a fase lútea
que acontece depois da fase ovulatória e em que as chances de engravidar baixam
drasticamente. Cada uma dessas fases, nos faz sentir de maneira diferente, nos
faz agir de maneira diferente. Tendo esse conhecimento temos maior domínio
sobre nós mesmas a cada altura do mês, planeamos melhor a vida, tomamos melhor
as nossas decisões. Isto são atitudes de soberania para connosco mesmas. Este é
um ensinamento que dever ser dado às adolescentes para que elas próprias possam
tomar as rédeas e controle da sua vida, para que o espírito selvagem delas seja
domando por elas mesmas, sabendo quando o usar e quando o acalmar.
Ganhando essa
sabedoria em alguns anos a mulher passa para o novo ciclo da sua vida, o ciclo
da Deusa Mãe. Torna-se uma mulher exuberante, no ápice da sua vida, cheia de
energia sexual, que é energia criadora, ela é fértil, ela é próspera. Este é o
momento da vida da mulher em que ela tem as energias para criar tudo, desde
obras de arte, a negócios, a carreira, a filhos, a um mundo novo! Ela está na
sua máxima potência e força vital. Por isso vemos muitas vezes mulheres que
após a maternidade ou chegando perto dos seus 30 anos, se rebelam contra a
sociedade, maridos ou família, que as prendiam encasuladas num mundo em que
elas viviam abaixo das suas capacidades, e de repente aparecem em todo o seu
esplendor e força mudando não só a si, mas o mundo à sua volta. É nesta fase
que as rainhas reinam! É nesta fase que depois de elas adquirirem a soberania
por si mesmas (na fase da Deusa Donzela) elas adquirem soberania sobre o mundo
à sua volta. É uma fase de conquistas.
Depois de
conquistar o mundo e estabelecer os seus impérios e reinados, as mulheres
passam à fase da Deusa Sábia ou Anciã. É a fase em que a energia da mulher
começa a diminuir, mas a sua experiência de vida já a ensinou tanto que ela é agora
a anciã cheia de sabedoria, que sabe tudo desde aquilo que se vê até ao que
está oculto. Ela é a rainha dos mistérios, ela já não se apoquenta com
ansiedades, rege os desfechos e finais dos ciclos, deixa de menstruar e sabe
muito bem guiar, apaziguar, acalmar, aconselhar. Sabe já que a morte faz parte
da vida, pois dentro de si já morreram e nasceram várias mulheres. Sabe que o
morrer é o primeiro passo para o renascer, não teme os ciclos da vida. Ela
agora detém a soberania da vida.
Por isso
mulheres, rainhas africanas, conhecendo-nos a nós mesmas nos transformamos em
soberanas de nós mesmas, do nosso mundo, da nossa vida! O saber sobre nós
mesmas é nosso, nos passamos umas às outras e o reconhecemos como verdadeiro
através da nossa intuição.
Só tendo
soberania sobre nós próprias nos elevaremos a um patamar mais alto no mundo, na
sociedade e voltaremos a reinar como fizeram as nossas ancestrais.