domingo, 26 de abril de 2020

Mas é o TEU corpo



Acreditas que outra pessoa possa conhecê-lo melhor que tu?

É mesmo que só através de ciência descobres se estás doente ou não?

Como pode ser que seja a app a “controlar” a tua menstruação?



Lembras quando a mãe diz “é meu filho e eu é que sei”? Não é só porque ela é a legítima autoridade a tomar as decisões por esse filho, mas porque todos nós respeitamos o instinto de mãe quanto aos filhos. Elas sabem, farejam, sentem, pressentem. E toda a sociedade respeita isso, porque esse ser humano viveu dentro dela durante a gestação, viveu dela até ser autónomo. Há uma ligação muito forte entre a mãe e o filho.

Se há essa ligação tão forte entre dois seres humanos, porque não há entre um ser humano e o seu próprio corpo? Como pode não haver? Te digo, existe.
Existe, mas a racionalidade de que tanto nos alegramos e alegamos como humanos para nos diferenciar de outros animais, é tão sobreposta a tudo aquilo que é instinto e sentir nosso que desconectamos o nosso cérebro do sentir o nosso corpo e os momentos do nosso corpo. O cérebro tem essa capacidade de escolher aquilo que é importante para nós e aquilo que não é. Quando consideramos uma coisa não importante, o cérebro vai arquivá-la ali num cantinho. Se era uma habilidade, passamos a deixar de tê-la. É o que nos acontece quando deixamos de praticar alguma actividade, quando deixamos de usar a nossa criatividade. Desenhar por exemplo. Eu costumava desenhar lindamente. Mas deixei de o fazer, há anos que não desenho. Quando pego num lápis para fazer um desenho, seja por que motivo for que me obrigou a desenhar algo, faço qualquer coisa parecida de com desenhos de quarta classe. O que é completamente diferente das obras artísticas que costumava fazer até aos meus vinte anos, por aí. Desenhar deixou de ter importância e prioridade para mim, outras coisas se puseram à frente na vida. E agora se quisesse voltar a desenhar teria que voltar a activar o meu cérebro para isso. Voltar a exercitar a mão, voltar a me lembrar ou reaprender as regras e técnicas de desenho.

O mesmo aconteceu com o nosso conhecimento do nosso corpo. Durante o tempo de gestação e primeira infância o nosso corpo e a nossa voz é tudo o que temos. Não sabemos pegar, não sabemos escrever, não sabemos mais coisa nenhuma, a não ser sentir o nosso corpo, e as sensações que o invadem, que nascem de dentro dele… E comunicá-las, ainda não através do diálogo, mas através da vocalização. Ao crescer, é tanta coisa que aprendemos que outras coisas vão se pondo como prioridade e muitas de nós se desconectam do seu corpo. Aprendemos a seguir instruções externas, pois delas depende a nossa sobrevivência na sociedade. Não é como no reino animal, que é preciso escutar, cheirar, observar, sentir até o tremor da terra para se saber se o outro animal vem a galopar, se a rastejar, e de que tamanho ele é. A sobrevivência depende dos instintos primitivos, do uso dos nossos cinco (e até do sexto) sentidos. Na sociedade moderna, utilizamos pouco estes cinco sentidos para nos observarmos, para nos sentirmos. E de certa forma, observar-nos a nós mesmos traz-nos medo. Por isso tanta gente tem medo de ficar sozinha consigo mesma, tem medo de meditar, prefere que haja estímulos externos constantes a vir ter com ela para que possa não olhar para si mesma.

Mas sabem o que é lindo? É que conhecermo-nos, sentirmo-nos ouvirmo-nos a nós mesmas, não é nada que nos vá trazer malefícios… Muito pelo contrário, vai trazer-nos maior consciência de nós mesmas, uma melhor convivência connosco mesmas, uma harmonia maior e soberania sobre o nosso corpo. O poder que temos sobre nós mesmas se expande. O controle do nosso corpo volta para as nossas mãos. É simplesmente porque estamos tão desconectadas de nós mesmas que sentimos medo do trabalho de parto. Quanto mais uma mulher se conecta consigo mesma, mais ela perde o medo desse momento que para todas pela primeira vez é desconhecido. Quanto mais uma mulher se observa, se sente e se ouve, melhor ela sabe tomar decisões para si mesma.

O observar e sentir o nosso ciclo menstrual, e não o silenciá-lo com pílulas anticoncepcionais dá-nos um poder enorme sobre a nossa fertilidade, e consequentemente sobre as decisões que tomamos à volta dela. Muitas vezes recebo mensagens de mulheres a dizerem-me que não conseguem engravidar que me pedem dicas do que fazer. E eu, com toda a sinceridade, fico perdida. A minha primeira reacção é “eu não conheço o teu corpo”, sem falar que não sou mesmo uma profissional de fertilidade assistida. Mas o que há de muito comum entre estas mulheres muitas vezes é que tampouco há uma relação boa entre elas e o seu ciclo menstrual. Para engravidarmos, todas dependemos do nosso ciclo menstrual. E se não o conhecemos bem, como podemos fazê-lo de forma natural e consciente? Ou a gravidez acontece, puft, por acaso, ou realmente se houver alguma questão que complique a gravidez, ou simplesmente não houverem relações sexuais na altura certa, não há gravidez. Nós só estamos férteis durante mais ou menos seis dias por ciclo. Só seis dias. Só seis dias. E há UM que é o pico de maior probabilidade de fertilidade. E este dia, acreditem: sente-se! É um dia de maior excitação, +e um dia em que a pele está com uma sensibilidade e receptividade mais aguçada, é um dia em que o próprio útero contrai levemente, parece que vibra ou que há uma sensação leve de formigueiro lá dentro… É um dia em que o instinto nos diz “hoje é dia em que engravidas”, num rugir que vem das profundezas de uma caverna. Mas é uma linguagem tão sutil, que basta estarmos preocupadas com qualquer outro assunto que não vamos perceber. E na vida moderna estamos constantemente preocupadas com bastantes outros assuntos.

Sentirmo-nos é tão simples quanto… Sentir. Não tem outra explicação, sentir é sentir. Como sentimos as outras necessidades fisiológicas do nosso corpo, podemos nos habituar a sentir os avisos do nosso ventre. Observar-nos durante o nosso ciclo e ter um caderninho para fazer anotações. Depois de uns 3 ciclos, de só observar e anotar, fazer comparações, olhar para padrões: quando foi que senti vontade de chocolate, quando foi que tive mais vontade de fazer sexo, quando foi que a minha pele ficou com mais acne, quando foi que o meu peito se sentiu e se viu mais cheio, quando senti os mamilos sensíveis, como foi a dor da menstruação, ou não houve dor, o que tenho comido que me faz ficar inflamada, como está o meu nível de energia em cada fase do ciclo…

Observando os nossos padrões, sentindo os nossos cheiros naturais, as nossas texturas, sentindo como mudamos durante o nosso ciclo, somos capazes de nos saber tão bem que identificamos imediatamente quando algo sai do normal. Quando sai do normal, quando há uma mudança, podemos estar perante uma doença, ou uma gravidez... Mas sabemos, de certeza que sabemos, e é logo que acontece.

domingo, 19 de abril de 2020

Prendadas


O Incontruztruz, no Instagram fala muito sobre isto! E adoro o trabalho que Lurine, Vanda, Micaela, Meninha e todas as convidadas que por lá passam têm estado a fazer nos IG’s lives delas para todas as mulheres palops.

Tenho 30 anos e cada dia me admiro mais comigo mesma. Me admiro mais com o facto de apesar de ter sido sempre uma pessoal fiel a mim mesma, na verdade nunca o fui a um nível profundo…Se tivesse sido não estaria só agora com 30 anos a descobrir coisas que já nasceram comigo, que são a minha essência e sempre andaram por aqui a dar o ar da sua graça aqui e ali, mas que por medo de ir contra a maré não vivi, não fui, não fiz, não me conhecí!

Somos preparadas não só pelas nossas mães e famílias, mas por toda a sociedade com os seus enormes programas de condicionamento mental de brinquedos domésticos para meninas, cores específicas para meninas, debates na tv e rádios no dia da mulher, letras de múscias e afins de como as mulheres estão a “perder” as suas virtudes, porque antigamente todas sabiam cozinhar e pregar um botão. Todas serviam ao marido. De como devemos ser submissas e obedientes, como devemos nos apresentar ou vestir para ir à casa do sogro, das comidas que devemos saber fazer para agradar a sogra. É um manual completo de “como ser mulher” que recebemos de todos os lados, que realmente nos parece o mais natural seguir aquelas diretrizes todas. Não queremos ser as más mulheres, e lá no fundo só queremos que gostem de nós, então toca a nos moldarmos para sermos aceites e gostadas, principalmente no seio familiar do cônjuge. O treinamento já começa com 7 anitos… Nãaao, mentira, estou no gozo! O condicionamento já começa quando escolhemos rosa para a fêmea que está ainda no nosso ventre. “Estica bem esses lençóis porque quando tiveres o teu marido, ele não fica nada contente se não souberes fazer a cama!”; “Tens que saber esfregar as golas das camisas do teu pai, para saberes esfregar as do teu marido”; “Se não souberes cozinhar, lavar e arrumar não sei o que será da tua casa” é de facto espetacular.

Nessa caminhada lá nos formamos santas (defino santa como aquela que desconhece a sua sexualidade, vocês sabem do que estou a falar) moças prendadas! Uma maravilha. Nem me vou meter pelo campo do desconhecer a sexualidade, porque só isso é assunto para um outro artigo inteiro. Só quero falar mesmo de nós, moças prendadas!



Xeh! Estamos todas prontas, sabendo lavar golas de camisas e fazer bolsar bebés. Sabemos muito bem, antes de o sermos, sermos esposas e mães. Sabemos! Muito bem!

Mas sabem o que não sabemos? Sermos nós mesmas, sabermos falar a nossa língua a nossa verdade. É! Antes mesmo de sabermos quem somos e como somos, e como sermos nós mesmas, já sabemos ser esposa e mãe. Antes de sermos verdadeiras connosco mesmas, já juramos bandeira ao ser correta e a certa com e para o mundo inteiro. Carroça à frente dos bois! E esqueçam o conhecermos e dominarmos os nossos talentos… Que é isso de talentos?

E depois como vou ser esposa e mãe sem saber o que eu sou, como sou e o que fazer para ser eu?

Somos réplicas, robots que funcionam da forma que foram ditos para funcionarem e que depois crasham, dão pane no meio da experiência marital ou materna. Umas seguem a empurrar assim mesmo: “casamento é mesmo assim, maternidade é mesmo assim: sacrifício!”- conformam-se e vivem vidas infelizes. Infelizes consigo mesmas, às vezes são doces e tristes, outras frustradas e violentas com os filhos enchendo-os de porrada e berros (replicando um comportamento já antes vivido por elas mesmas, justificado como educação), como escape das suas frustrações e traumas de que sequer têm noção. Outras rebelam-se, fogem do matrimónio e às vezes também da maternidade (lembram-se de todas as mulheres que julgamos porque abandonam os filhos com alguém, ou no hospital, ou no caixote do lixo, ou debaixo de um carro?), procurando algo que muitas vezes nem sabem o que é, só sabem que não se sentem bem ali, que há uma confusão mental profunda a acontecer dentro delas, que é demasiada pressão para uma só pessoa, que essa pele precisa ser arrancada do seu corpo porque sufoca, pica e corta por dentro, faz-nos sangrar, mas ninguém vê.
Por sorte um punhado de nós está a buscar o seu interior, está a ouvir a sua intuição, e aí começa uma caminhada bonita, mas também difícil e muito dolorosa de autodescoberta e autoconhecimento, descrita no livro de Élia Gonçalves “O Mito de Ophídia”.

Esta caminhada pode também ser feita dentro do matrimónio. Mas requer uma flexibilidade, abertura, e um nível de compreensão e liberdade a que poucos, muito poucos dos nossos homens foram ensinados a ter para com as mulheres, para com as “suas” mulheres! Exige mudanças fortes e muito trabalho em equipa dentro do casal, o que é ainda mais delicado quando há filhos.

Eu acho que seriamos melhores mães e esposas, se quiséssemos ser mães e esposas, se nos conhecêssemos bem, se fôssemos nós antes de sermos mães ou esposas. Se nos explorássemos por dentro e por fora, se conhecêssemos as nossas capacidades, limites, inclinações e talentos completamente, se nos permitíssemos sem medos, sem julgamentos, sem timidezes expandir-nos em cada área de ação que sentíssemos desejo de expandir, se soubéssemos como agimos, porque agimos, e se queremos mudar a forma de agir, o que fazer para mudar. Se soubéssemos do que realmente gostamos, através de nos permitirmos explorar os nossos gostos sem nos limitarmos porque ouvimos que falarmos a nossa verdade é errado, ou nos comportarmos segundo aquilo que verdadeiramente somos “fica mal”. Quase sempre adotamos para nós padrões de pensamentos e dizeres que são os de outros e não os nossos. Mas porque os ouvimos como doutrina durante tanto tempo e em tão crucial altura do nosso desenvolvimento que fica como nosso para sempre. Vestir amarelo, por exemplo, na altura em que eu era miúda, era uma estupidez e ficava mal a todo o mundo! E eu até gostava de amarelo. Mas demorei a começar a vestir amarelo, mesmo depois de crescer, porque havia o padrão comum que amarelo era berrante demais, não se vestia, ficava mal! E quem diz vestir amarelo, diz ser pilota de aviões, diz decidir não ser mãe, diz escolher ter um marido mas ser firme nas suas posições e arumentos, diz escolher dedicar-se com toda a ambição e garra a uma carreira e não à família e maternidade, diz ter o controle e soberania do seu corpo, diz ser dona das suas escolhas,  e todos outros dizeres sobre como devemos ser e agir que nos levam a ser e agir de acordo com essas regras, que nada têm a ver com o que somos e com o que aqui viemos fazer neste mundo.

Somos seres individuais, cada um com o seu propósito e seus talentos. Não é suposto sermos todas iguais nem fazermos a mesma coisa. Todas um exército escravo de manutenção doméstica e continuação da espécie. É suposto usarmos os nossos talentos para contribuirmos para um mundo melhor. Nem mesmo Deus quer que desperdicemos esses talentos, porque se quiserem pensar assim, quem nos os deu, afinal? Mas se não sabemos quem somos, como sabemos quais são os nossos talentos? Se nos formamos para ser esposas e mães e vamos estudar qualquer coisa que nos dê dinheiro exclusivamente para nos alimentarmos e termos um teto, e ainda assim isso fica insignificante depois que nos casamos com um homem, em vez de realmente desenvolvermos o nosso talento e vocação, só estamos a ser mais um robot, que vive mecanicamente sem dar a sua contribuição única, que só ela pode dar a este mundo.

Os nossos sonhos, são a nossa missão neste mundo. Atrevam-se a sonhar, e a perseguir e executar os vossos sonhos. Atrevam-se a deixar ouvir a voz interior, atrevam-se a conhecer-se de dentro para fora, o lado bom e o lado mau, a saber das vossas virtudes e daquilo que pode ser trabalhado para serem a melhor versão de vocês mesmas.

Jovens meninas, atrevam-se e acostumem-se a dar-se, ou a lutar por essa liberdade de primeiro explorarem-se a vocês mesmas, seja naquilo que for! Conheçam-se como ser humano, como mulher primeiro, antes de serem qualquer outra coisa que a sociedade vos diz que têm de ser. Explorem e desenvolvam os vossos talentos. Vão a fundo, expandam-se sem medo, conquistem o mundo! Porque é isso que traz sentido à vida. Todos, homens e mulheres estamos à procura do nosso propósito neste mundo e de dar sentido à nossa vida. Primeiro isso, depois o resto! O que não anula que o propósito e sentido de vida de muita mulher seja ser esposa e mãe. Se é isso, também vos encorajo a dedicarem-se com amor e perseverança! Mas há que saber que é realmente isso. Há que dizer “eu sou mãe, eu sou esposa nata”, com certeza, porque sabemos disso, porque nos conhecemos!

Deixem-se conhecer! E como diz o pessoal do Incontrustruz: “Vai viver, preta! Vais gostar!”

domingo, 12 de abril de 2020

O Sangue


Não por sofrimento, não por violência, mas por ritual. Um ritual se repete todos os meses no nosso ventre. O ritual de preparar a cama para a possibilidade de se gerar um novo ser. O ritual tem dois caminhos a seguir. O de gerar esse ser, e o de desfazer essa cama para fazer outra para próximo ciclo, que irá esperar a possibilidade de outro ser.
Assim.
Mês após mês... Talvez, a cada 28…

Quando se desfaz a cama se sangra. Esse sangrar durante anos foi considerado triste, mau, ligado a sofrimento, isolamento, repulsa, até mesmo nojo.

Tão mal interpretado é esse ritual, que deixamos de saber lidar com ele. Catalogamos como nojento e impuro o nosso corpo nessa altura. Silenciamo-lo com anti-concepcionais que falsificam esse ritual, ou que o suspendem por longos períodos de tempo.
Eu também o fiz... Eu também não o entendia. Eu também o ressentia. Ressentia e negava a minha própria natureza, negava-me como mulher. Mas o sangue sempre foi mais forte. Tão forte que ele gritava desesperadamente, fazendo-me retorcer na mais agoniante e incapacitante dor, todos os meses, para que eu voltasse à minha essência, que lá iria encontrar harmonia e o fim do sofrimento.

O sangue que escorre pelas nossas pernas a baixo todos os meses, que sai do nosso útero, não é um choro de um útero sofrido por não desempenhar o seu papel criativo de gerar um ser. É um ritual de purificação.

O sangue que desce do nosso útero em direcção à terra, vai em busca da Mãe Terra, para lá depositar aquilo que já não nos serve. Para nos limpar das nossas impurezas. Das físicas, das mentais, das energéticas, das emocionais.

Antes do sangue descer o nosso corpo reúne tudo aquilo que nos faz mal, passamos por uma espécie de catársis. Nos sentimos tristes, deprimidas, pesadas, sem motivação, irritadas com o mundo externo, chamadas a interiorizar-nos. Se ouvirmos esse chamado meditamos naquilo que já não nos serve mais e participamos activamente do ritual. De um ritual que é nosso, feito no templo que é o nosso ventre. Como podemos estar ausentes?
Podemos mesmo criar uma maior catársis. Estar conscientes de por a intenção para deixar sair aquilo que nos pesa, nos entristece, nos faz sentir nauseadas, nos põe para baixo.




Existem químicos a intoxicar-nos o corpo, vomitemo-los!
Existem energias negativas a poluir a nossa aura, enxotemo-las!
Existem emoções negativas a toldar a nossa mente, curemo-las!
Existem pensamentos negativos a formar padrões e a guiar as nossas vidas, mudemo-los!

Esta é a hora de nos purificarmos! É quando o sangue desce que temos mais poder para nos purificarmos internamente.
É uma oportunidade que só nós fêmeas temos, porque carregamos tanto do mundo, e carregamos o poder da continuação da nossa espécie, da renovação da nossa espécie. Todos os meses precisamos nos purificar, nos esvaziar um bocado mais da carga para continuar.

Quando o sangue desce, às vezes desce com desconforto, às vezes desce com dor. Às vezes com muita dor.
Quanto mais dor, mais força está esse útero a fazer para se purificar de feridas profundas que ele tem. Mais determinação ele tem para se curar, mais ele clama para que nós sejamos mais presentes de corpo e mente nesse ritual de purificação, para que vamos profundo adentrando em nós e exploremos aquilo que nos dói na alma, que nos marca, traumatiza, que passa de geração para geração, que trazemos das mulheres da nossa família que nos antecederam, que colhemos das experiências da nossa infância, que guardamos dos amores da nossa juventude. Foi, é assim com o meu útero. É assim com todos úteros.
Carregamos todo o peso de várias vidas! De várias mulheres.

Quando o sangue desce ele traz com ele todos os químicos tóxicos, todas as emoções negativas, todos os pensamentos negativos, todas as energias negativas, todos os traumas generacionais, tira-os à vez do nosso corpo, do nosso templo, e vai dá-los à Mãe Terra para que os recicle.

Quanto mais estivermos conscientes desse ritual, melhor nos purificamos.

Conectemo-nos ao nosso sangue. Pois ao amanhecer o dia após o final da descida do sangue, somos novas. Sentimo-nos revitalizadas, cheias de energia, criativas, felizes, de braços abertos para a vida! Respiramos um ar mais puro, somos puras, fomos purificadas.

domingo, 5 de abril de 2020

Pernas para o ar, cabeça na terra... Os nossos partos em tempo de Corona Vírus


Os nossos médicos estão preparados, mas assustados…

Há muito, os nossos médicos estão frustrados.
Há muito os nossos hospitais são focos de contágio para doenças infeciosas.
Há muito que o nosso sistema de saúde é precário.

E agora veio uma pandemia, que nos obrigou a quase todos, pelo menos àqueles que podem, a fecharem-se em casa para se protegerem e não propagarem o contagio. Estivemos a assistir à China e Itália abarrotarem os seus hospitais, fecharem as suas ruas, ficarem sem leitos, nem máquinas respiradoras para dar assistência a quem estivesse contaminado e em estado grave. Por sorte não temos o mesmo número de contaminados que esses países, pelo menos nisso fomos poupados. Pelo menos os nossos médicos e enfermeiros, os guerreiros da linha da frente estão preparados. Mas temem também.

Temem porque o sistema de saúde, que não depende só deles, especialmente no que concerne a orçamentos e decisões, não está preparado para fornecer-lhes as ferramentas que eles precisam para entrar em acção contra esta pandemia. Temem porque não há condições de biossegurança, em relação às doenças contagiosas que já cá temos, quanto mais em relação à Covid-19. Temem porque existe falta de material para protecção individual deles, máscaras, óculos, luvas, fatos… Temem porque em todo o país não devem haver mais do que 50 ventiladores mecânicos para dar assistência aos pacientes com falhas respiratórias, complicação característica da Covid-19

… E têm toda a razão!

O nosso sistema da saúde tem-nos falhado desde o início. Não tem melhorado, não tem atendido às necessidades da população.

Quando se fala em saúde materna, é dos mais lastimáveis que existem. Direitos que são assegurados lá fora às mulheres em trabalho de parto, aqui são-nos negados sempre com a desculpa de que ainda não temos condições para “proporcionar” estes direitos às mães. Violência obstétrica é praticada como o prato do dia, e manter-se as mães e famílias na ignorância quanto aos seus direitos, aos procedimentos, às justificações de porquê se tomam certas decisões e acções quanto aos seus corpos, seus filhos, sua saúde e bem-estar é religião. Ainda assim confiamos - ou nos conformamos, nos enchemos de coragem, fechamos os olhos ao maltrato e injustiça - e vamos ter os nossos filhos às nossas instituições de saúde públicas ou privadas. Quem pode sai do país para melhor acompanhamento, sai.

Mas e agora que as fronteiras estão fechadas e não podemos sair para ir ter os nossos filhos fora?
Agora que temos mesmo que ter os nossos filhos só cá em Angola, só nas nossas províncias, sem a chance de sair daqui enquanto o nosso mundo estiver sob a ameaça do contágio da Covid-19. Não sabemos quando mudará este cenário, não sabemos se piorará este cenário, e a única opção que temos é ir ter os nossos filhos às nossas instituições de saúde.

Instituições em que os médicos estão justificadamente com medo, em que os médicos estão à muito tempo frustrados, em que o nível de tensão, stress e medo aumentou, em que não há luvas, máscaras, óculos, em que existem debilidades nas medidas de biossegurança.  Para além do nosso já existente medo do maltrato recebido nas unidades de saúde ao irmos ter os nossos filhos, do abandono, da negligência, da separação dos nossos acompanhantes, agora temos o medo do contágio e de que cenário vamos encontrar nos hospitais. Se normalmente já não se sabe o que se vai encontrar no ambiente hospitalar, pior agora nesta época de grande incerteza, medo, tensão e instabilidade.

Estamos sem alternativas…

Enquanto as nossas irmãs noutros países com um sistema de saúde melhor neste momento começam a voltar-se para as outras opções de que dispõem as suas sociedades, como o parto domiciliar ou em casas de parto, nós nos debatemos com uma realidade em que não existem estas duas opções como legais, válidas e estruturadas para nós.  Casas de parto não existem. As parteiras tradicionais estão proibidas de efetuarem a sua profissão. As enfermeiras parteiras especialistas estão proibidas de atender a domicílio, obstetras também.

Por muito menos do que passamos nós aqui, mulheres no mundo desenvolvido começam a ponderar ter os seus filhos fora das instituições de saúde. A maior queixa de mulheres nos Estados Unidos ou Austrália, por exemplo é a medida que proíbe ou restringe a presença do acompanhante durante o parto e visitas no pós parto. Isto já foi suficiente para que elas questionassem o parto hospitalar, pois o apoio do acompanhante por ser imprescindível, é um direito de toda a parturiente. Em países como Brasil ou Portugal as razões são o risco de contaminação, o risco da falta de leitos, e a mesma medida proibitiva ou restritiva quanto aos acompanhantes. Portugal e Brasil, contam com mais alternativas que nós, é legal assistir uma mulher fora de um hospital, existem instituições para a formação destes profissionais, existem casas de parto, mas ainda assim existe um número reduzido de profissionais preparados para dar assistência ao parto não hospitalar.

Numa altura em que vemos o mundo parar e mudar, virar de cabeça para baixo, numa altura em que o normal já é e será inevitavelmente diferente daquilo que sempre conhecemos como normal, precisamos começar a pensar em não fechar as portas às opções alternativas que temos.

A obstetrícia moderna, em salas de parto, começou no século XIX, cerca de 200 anos atrás. Nós existimos como Homo Sapiens entre 400 mil e 100 mil anos. Isto quer dizer que bem ou mal, durante muito mais tempo da nossa existência os partos se deram fora das salas de parto, e ainda por muitos lugares do mundo, e a maioria no nosso país, continua a dar-se fora das salas de parto. O trabalho de parto é um evento familiar e fisiológico, que pode muito bem ser feito fora de uma unidade hospitalar quando é de baixo risco, existe uma gravidez saudável, um bebé e uma mãe saudáveis. O que precisamos é de profissionais preparados e capacitados para assistir a estes tipos de parto, normais, naturais de baixo risco, que são a maioria, e deixar que os hospitais tomem conta de todos os outros partos de risco, com complicações e patologias  que de facto merecem atenção hospitalar.

Enchermos os hospitais de partos de baixo e alto risco, não é uma opção que optimize a gestão do serviço de saúde. É uma opção que tem enchido os hospitais, sobrecarregado os profissionais e levado a um desgaste físico e mental destes que se reflete na assistência dada às parturientes que aos seus serviços recorrem. As alternativas ao parto institucional não são uma má opção, não são uma opção insegura. São uma opção que deve ser bem estudada, na qual se deve investir, que se deve incentivar para alívio do próprio sistema de saúde, para a criação de mais empregos, de diversidade nas escolhas e maior conforto das mulheres e suas famílias.

Agora que estamos com o mundo de pernas para o ar, temos a cabeça na terra. Na terra que nos dá estabilidade, nos ancora, nos dá recursos e alimento, vamos pensar em devolver o parto às mulheres e à família.

Pernas no ar, trazem-nos cabeça à terra... Cabeça no ar foi o que tivemos este tempo todo.
Talvez agora com a cabeça na terra possamos ter consciência de recorrer às nossas raízes, ao nosso ancorar na nossa capacidade de parir.

Temos que confiar em nós mesmas, porque sabemos parir. Temos que criar alternativas para os nossos partos, para parirmos como melhor sentimos, seja num hospital, seja numa casa de parto, seja em casa, seja onde decidamos. A escolha deve ser bem informada, consciente e bem ponderada, mas deve ser nossa.