Os nossos médicos
estão preparados, mas assustados…
Há muito, os
nossos médicos estão frustrados.
Há muito os
nossos hospitais são focos de contágio para doenças infeciosas.
Há muito que o
nosso sistema de saúde é precário.
E agora veio uma
pandemia, que nos obrigou a quase todos, pelo menos àqueles que podem, a
fecharem-se em casa para se protegerem e não propagarem o contagio. Estivemos a
assistir à China e Itália abarrotarem os seus hospitais, fecharem as suas ruas,
ficarem sem leitos, nem máquinas respiradoras para dar assistência a quem
estivesse contaminado e em estado grave. Por sorte não temos o mesmo número de
contaminados que esses países, pelo menos nisso fomos poupados. Pelo menos os
nossos médicos e enfermeiros, os guerreiros da linha da frente estão preparados.
Mas temem também.
Temem porque o
sistema de saúde, que não depende só deles, especialmente no que concerne a
orçamentos e decisões, não está preparado para fornecer-lhes as ferramentas que
eles precisam para entrar em acção contra esta pandemia. Temem porque não há
condições de biossegurança, em relação às doenças contagiosas que já cá temos,
quanto mais em relação à Covid-19. Temem porque existe falta de material para
protecção individual deles, máscaras, óculos, luvas, fatos… Temem porque em
todo o país não devem haver mais do que 50 ventiladores mecânicos para dar assistência
aos pacientes com falhas respiratórias, complicação característica da Covid-19
… E têm toda a
razão!
O nosso sistema
da saúde tem-nos falhado desde o início. Não tem melhorado, não tem atendido às
necessidades da população.
Quando se fala em
saúde materna, é dos mais lastimáveis que existem. Direitos que são assegurados
lá fora às mulheres em trabalho de parto, aqui são-nos negados sempre com a
desculpa de que ainda não temos condições para “proporcionar” estes direitos às
mães. Violência obstétrica é praticada como o prato do dia, e manter-se as mães
e famílias na ignorância quanto aos seus direitos, aos procedimentos, às
justificações de porquê se tomam certas decisões e acções quanto aos seus
corpos, seus filhos, sua saúde e bem-estar é religião. Ainda assim confiamos -
ou nos conformamos, nos enchemos de coragem, fechamos os olhos ao maltrato e
injustiça - e vamos ter os nossos filhos às nossas instituições de saúde públicas
ou privadas. Quem pode sai do país para melhor acompanhamento, sai.
Mas e agora que
as fronteiras estão fechadas e não podemos sair para ir ter os nossos filhos
fora?
Agora que temos
mesmo que ter os nossos filhos só cá em Angola, só nas nossas províncias, sem a
chance de sair daqui enquanto o nosso mundo estiver sob a ameaça do contágio da
Covid-19. Não sabemos quando mudará este cenário, não sabemos se piorará este
cenário, e a única opção que temos é ir ter os nossos filhos às nossas
instituições de saúde.
Instituições em
que os médicos estão justificadamente com medo, em que os médicos estão à muito
tempo frustrados, em que o nível de tensão, stress e medo aumentou, em que não
há luvas, máscaras, óculos, em que existem debilidades nas medidas de
biossegurança. Para além do nosso já
existente medo do maltrato recebido nas unidades de saúde ao irmos ter os
nossos filhos, do abandono, da negligência, da separação dos nossos
acompanhantes, agora temos o medo do contágio e de que cenário vamos encontrar
nos hospitais. Se normalmente já não se sabe o que se vai encontrar no ambiente
hospitalar, pior agora nesta época de grande incerteza, medo, tensão e
instabilidade.
Estamos sem
alternativas…
Enquanto as
nossas irmãs noutros países com um sistema de saúde melhor neste momento
começam a voltar-se para as outras opções de que dispõem as suas sociedades,
como o parto domiciliar ou em casas de parto, nós nos debatemos com uma
realidade em que não existem estas duas opções como legais, válidas e
estruturadas para nós. Casas de parto
não existem. As parteiras tradicionais estão proibidas de efetuarem a sua profissão.
As enfermeiras parteiras especialistas estão proibidas de atender a domicílio,
obstetras também.
Por muito menos
do que passamos nós aqui, mulheres no mundo desenvolvido começam a ponderar ter
os seus filhos fora das instituições de saúde. A maior queixa de mulheres nos Estados
Unidos ou Austrália, por exemplo é a medida que proíbe ou restringe a presença
do acompanhante durante o parto e visitas no pós parto. Isto já foi suficiente
para que elas questionassem o parto hospitalar, pois o apoio do acompanhante por
ser imprescindível, é um direito de toda a parturiente. Em países como Brasil
ou Portugal as razões são o risco de contaminação, o risco da falta de leitos,
e a mesma medida proibitiva ou restritiva quanto aos acompanhantes. Portugal e
Brasil, contam com mais alternativas que nós, é legal assistir uma mulher fora
de um hospital, existem instituições para a formação destes profissionais, existem
casas de parto, mas ainda assim existe um número reduzido de profissionais
preparados para dar assistência ao parto não hospitalar.
Numa altura em
que vemos o mundo parar e mudar, virar de cabeça para baixo, numa altura em que
o normal já é e será inevitavelmente diferente daquilo que sempre conhecemos
como normal, precisamos começar a pensar em não fechar as portas às opções
alternativas que temos.
A obstetrícia
moderna, em salas de parto, começou no século XIX, cerca de 200 anos atrás. Nós
existimos como Homo Sapiens entre 400 mil e 100 mil anos. Isto quer dizer que
bem ou mal, durante muito mais tempo da nossa existência os partos se deram
fora das salas de parto, e ainda por muitos lugares do mundo, e a maioria no
nosso país, continua a dar-se fora das salas de parto. O trabalho de parto é um
evento familiar e fisiológico, que pode muito bem ser feito fora de uma unidade
hospitalar quando é de baixo risco, existe uma gravidez saudável, um bebé e uma
mãe saudáveis. O que precisamos é de profissionais preparados e capacitados
para assistir a estes tipos de parto, normais, naturais de baixo risco, que são
a maioria, e deixar que os hospitais tomem conta de todos os outros partos de
risco, com complicações e patologias que
de facto merecem atenção hospitalar.
Enchermos os
hospitais de partos de baixo e alto risco, não é uma opção que optimize a
gestão do serviço de saúde. É uma opção que tem enchido os hospitais,
sobrecarregado os profissionais e levado a um desgaste físico e mental destes
que se reflete na assistência dada às parturientes que aos seus serviços
recorrem. As alternativas ao parto institucional não são uma má opção, não são
uma opção insegura. São uma opção que deve ser bem estudada, na qual se deve
investir, que se deve incentivar para alívio do próprio sistema de saúde, para a
criação de mais empregos, de diversidade nas escolhas e maior conforto das
mulheres e suas famílias.
Agora que estamos
com o mundo de pernas para o ar, temos a cabeça na terra. Na terra que nos dá
estabilidade, nos ancora, nos dá recursos e alimento, vamos pensar em devolver
o parto às mulheres e à família.
Pernas no ar,
trazem-nos cabeça à terra... Cabeça no ar foi o que tivemos este tempo todo.
Talvez agora com
a cabeça na terra possamos ter consciência de recorrer às nossas raízes, ao
nosso ancorar na nossa capacidade de parir.
Temos que confiar
em nós mesmas, porque sabemos parir. Temos que criar alternativas para os
nossos partos, para parirmos como melhor sentimos, seja num hospital, seja numa
casa de parto, seja em casa, seja onde decidamos. A escolha deve ser bem
informada, consciente e bem ponderada, mas deve ser nossa.
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