domingo, 26 de abril de 2020

Mas é o TEU corpo



Acreditas que outra pessoa possa conhecê-lo melhor que tu?

É mesmo que só através de ciência descobres se estás doente ou não?

Como pode ser que seja a app a “controlar” a tua menstruação?



Lembras quando a mãe diz “é meu filho e eu é que sei”? Não é só porque ela é a legítima autoridade a tomar as decisões por esse filho, mas porque todos nós respeitamos o instinto de mãe quanto aos filhos. Elas sabem, farejam, sentem, pressentem. E toda a sociedade respeita isso, porque esse ser humano viveu dentro dela durante a gestação, viveu dela até ser autónomo. Há uma ligação muito forte entre a mãe e o filho.

Se há essa ligação tão forte entre dois seres humanos, porque não há entre um ser humano e o seu próprio corpo? Como pode não haver? Te digo, existe.
Existe, mas a racionalidade de que tanto nos alegramos e alegamos como humanos para nos diferenciar de outros animais, é tão sobreposta a tudo aquilo que é instinto e sentir nosso que desconectamos o nosso cérebro do sentir o nosso corpo e os momentos do nosso corpo. O cérebro tem essa capacidade de escolher aquilo que é importante para nós e aquilo que não é. Quando consideramos uma coisa não importante, o cérebro vai arquivá-la ali num cantinho. Se era uma habilidade, passamos a deixar de tê-la. É o que nos acontece quando deixamos de praticar alguma actividade, quando deixamos de usar a nossa criatividade. Desenhar por exemplo. Eu costumava desenhar lindamente. Mas deixei de o fazer, há anos que não desenho. Quando pego num lápis para fazer um desenho, seja por que motivo for que me obrigou a desenhar algo, faço qualquer coisa parecida de com desenhos de quarta classe. O que é completamente diferente das obras artísticas que costumava fazer até aos meus vinte anos, por aí. Desenhar deixou de ter importância e prioridade para mim, outras coisas se puseram à frente na vida. E agora se quisesse voltar a desenhar teria que voltar a activar o meu cérebro para isso. Voltar a exercitar a mão, voltar a me lembrar ou reaprender as regras e técnicas de desenho.

O mesmo aconteceu com o nosso conhecimento do nosso corpo. Durante o tempo de gestação e primeira infância o nosso corpo e a nossa voz é tudo o que temos. Não sabemos pegar, não sabemos escrever, não sabemos mais coisa nenhuma, a não ser sentir o nosso corpo, e as sensações que o invadem, que nascem de dentro dele… E comunicá-las, ainda não através do diálogo, mas através da vocalização. Ao crescer, é tanta coisa que aprendemos que outras coisas vão se pondo como prioridade e muitas de nós se desconectam do seu corpo. Aprendemos a seguir instruções externas, pois delas depende a nossa sobrevivência na sociedade. Não é como no reino animal, que é preciso escutar, cheirar, observar, sentir até o tremor da terra para se saber se o outro animal vem a galopar, se a rastejar, e de que tamanho ele é. A sobrevivência depende dos instintos primitivos, do uso dos nossos cinco (e até do sexto) sentidos. Na sociedade moderna, utilizamos pouco estes cinco sentidos para nos observarmos, para nos sentirmos. E de certa forma, observar-nos a nós mesmos traz-nos medo. Por isso tanta gente tem medo de ficar sozinha consigo mesma, tem medo de meditar, prefere que haja estímulos externos constantes a vir ter com ela para que possa não olhar para si mesma.

Mas sabem o que é lindo? É que conhecermo-nos, sentirmo-nos ouvirmo-nos a nós mesmas, não é nada que nos vá trazer malefícios… Muito pelo contrário, vai trazer-nos maior consciência de nós mesmas, uma melhor convivência connosco mesmas, uma harmonia maior e soberania sobre o nosso corpo. O poder que temos sobre nós mesmas se expande. O controle do nosso corpo volta para as nossas mãos. É simplesmente porque estamos tão desconectadas de nós mesmas que sentimos medo do trabalho de parto. Quanto mais uma mulher se conecta consigo mesma, mais ela perde o medo desse momento que para todas pela primeira vez é desconhecido. Quanto mais uma mulher se observa, se sente e se ouve, melhor ela sabe tomar decisões para si mesma.

O observar e sentir o nosso ciclo menstrual, e não o silenciá-lo com pílulas anticoncepcionais dá-nos um poder enorme sobre a nossa fertilidade, e consequentemente sobre as decisões que tomamos à volta dela. Muitas vezes recebo mensagens de mulheres a dizerem-me que não conseguem engravidar que me pedem dicas do que fazer. E eu, com toda a sinceridade, fico perdida. A minha primeira reacção é “eu não conheço o teu corpo”, sem falar que não sou mesmo uma profissional de fertilidade assistida. Mas o que há de muito comum entre estas mulheres muitas vezes é que tampouco há uma relação boa entre elas e o seu ciclo menstrual. Para engravidarmos, todas dependemos do nosso ciclo menstrual. E se não o conhecemos bem, como podemos fazê-lo de forma natural e consciente? Ou a gravidez acontece, puft, por acaso, ou realmente se houver alguma questão que complique a gravidez, ou simplesmente não houverem relações sexuais na altura certa, não há gravidez. Nós só estamos férteis durante mais ou menos seis dias por ciclo. Só seis dias. Só seis dias. E há UM que é o pico de maior probabilidade de fertilidade. E este dia, acreditem: sente-se! É um dia de maior excitação, +e um dia em que a pele está com uma sensibilidade e receptividade mais aguçada, é um dia em que o próprio útero contrai levemente, parece que vibra ou que há uma sensação leve de formigueiro lá dentro… É um dia em que o instinto nos diz “hoje é dia em que engravidas”, num rugir que vem das profundezas de uma caverna. Mas é uma linguagem tão sutil, que basta estarmos preocupadas com qualquer outro assunto que não vamos perceber. E na vida moderna estamos constantemente preocupadas com bastantes outros assuntos.

Sentirmo-nos é tão simples quanto… Sentir. Não tem outra explicação, sentir é sentir. Como sentimos as outras necessidades fisiológicas do nosso corpo, podemos nos habituar a sentir os avisos do nosso ventre. Observar-nos durante o nosso ciclo e ter um caderninho para fazer anotações. Depois de uns 3 ciclos, de só observar e anotar, fazer comparações, olhar para padrões: quando foi que senti vontade de chocolate, quando foi que tive mais vontade de fazer sexo, quando foi que a minha pele ficou com mais acne, quando foi que o meu peito se sentiu e se viu mais cheio, quando senti os mamilos sensíveis, como foi a dor da menstruação, ou não houve dor, o que tenho comido que me faz ficar inflamada, como está o meu nível de energia em cada fase do ciclo…

Observando os nossos padrões, sentindo os nossos cheiros naturais, as nossas texturas, sentindo como mudamos durante o nosso ciclo, somos capazes de nos saber tão bem que identificamos imediatamente quando algo sai do normal. Quando sai do normal, quando há uma mudança, podemos estar perante uma doença, ou uma gravidez... Mas sabemos, de certeza que sabemos, e é logo que acontece.

6 comentários:

  1. Quanto amor num só texto... obrigada por compartilhar conosco

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  2. Lindooo Sara...Quando a bíblia diz que o nosso corpo é um templo é verdade...Devemos gostar dele,cuidar,conhecer,proteger...obrigada por esse lindo texto. Um beijo enorme

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  3. Obrigada por este mini guia que nos é nato mas como bem disseste, esquecido em meio a tantas preocupações que nos consomem... e os meu orgulho de tu?! :D

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  4. Sinto que é esse mesmo o nosso caminho de regresso à casa. Nosso caminho de reconexão com o nosso eu. O teu texto chegou no momento certo para mim. Obrigada ❤

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  5. Quanta leveza no escrever. Sentia sua voz susurando no meu ouvido falando sobre isso.

    Nos observar! ta aí algo que faz toda diferença no corpo e na alma de uma mulher.

    Obrigada Sarita. Belo texto.😍

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  6. A Sara deve ter viajado ao Oriente para escrever tão profundamente!

    Texto foda ✌��

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