domingo, 3 de maio de 2020

Feliz Dia da Mãe

Eu nunca me lembro das efemérides.
Nunca... E quem me ama, vai ter mesmo que me amar assim.

Acabei de receber uma mensagem a dizer "Feliz dia da Mãe" e disse "oh! Mais uma efeméride de que nunca me lembro." Eu mesma, mãe também. "Feliz dia da mãe!"

E nisso acabo por começar a ver em retrospectiva essa maternidade.
Essa coisa bonita que falamos todos os dias, semanas e anos sobre as maravilhas que são ser mãe, já me cansa... Nem quero mesmo receber  os poemitas do costume sobre "mãe és o meu céu, meu sol, meu mar, a que me deu a vida". Aaf... Já eu fiz isso à minha mãe, não dou para mais.

Por mais que ser mãe seja lindo, e é, ser mãe é real.
É real mesmo, e nem todas nós começamos com o pé direito como se nos pinta. Ser mãe é uma responsabilidade para a vida toda e quando ela nos cai em cima, dependendo das nossas circunstâncias, da nossa preparação, do nosso estado mental, não é uma boa notícia para todas nós. Ser mãe não sai assim tão fácil para nós como a sociedade e os contos nos fazem acreditar, que logo que descobrimos que estamos grávidas são só rosas e morangos e uma felicidade sem fim. Algumas de nós precisam só ter um atraso de 3 ou 4 dias na menstruação e já entramos em pânico: vemos a vida toda a passar-nos à frente e já temos mais um problema nas mãos, batata quente para saber como resolver.
"Saraaaa!! A minha menstruação está atrasadaaaa!!!" -Quantas vezes já recebi essa mensagem...! "Calma..."- digo. "Quanto tempo está atrasada? Começa a preocupar-te a partir da segunda semana de atraso, até lá relaxa e espera ainda..."
São corações disparados, mentes a mil, preocupadas com como a vida vai mudar, os problemas e pessoas que terão de enfrentar, com os planos, com as finanças, com a carreira, com os estudos, com o filho anterior que ainda não saiu das fraldas, com o ter que parir em Angola, com como o pai vai reagir... Incontáveis preocupações para mulheres, casadas, solteiras, com filhos, sem filhos, numa relação estável, sem estar numa relação...

A vida acontece, e é real. Ser mãe não é um dom nato para ninguém. Ser mãe é um estado de abertura mental, que exige um milhão de habilidades que vão sendo aprendidas e aperfeiçoadas na hora, no momento exacto em que elas precisam ser utilizadas. É preciso extrema perspicácea, rapidez de pensamento, lógica, profundo uso da intuição (que muitas vezes temos que reaprender), perserverança, resistência, coragem, coragem, coragem!

Enfrenta agora a gravidez... O primeiro trimestre é supostamente o mais duro. Sabem que o nosso corpo combate o ovo fecundado a princípio? Pois é um corpo "estranho" dentro de nós, há outro ADN dentro de nós, a função do nosso corpo é por corpos estranhos para fora de nós. Por isso até que se habitue, nós temos sintomas que mimetizam doenças... Extremo cançaso que nos faz ir dormir, não é só porque esses ndengues fazem puxada constantemente, é também porque é quando estamos a descansar que o corpo se cura autónomamente. Os vómitos, são mais uma reacção do corpo de tentativa de expulsão do "corpo estranho", tonturas, azia, às vezes diarreia, há quem sinta sintomas de gripe. No geral nos sentimos mais doentes que grávidas. Umas abençoadas não sentem nada, noutras os sintomas são médios, noutras os sintomas são horrorosos, outras até ficam de cama. Em todas é suposto passar depois do primeiro trimestre, mas nem a todas isso acontece, a muitas se estende por toda a gravidez. Experimentem então perguntar às mulheres que têm hiperemese gravídica, que não conseguem  pôr nada no estômago que vomitam logo tudo, e se vêm a emagrecer minuto a minuto a viver de medicação, o quão lindo é ser mãe.

Muda corpo, muda mente, muda alma. Mudanças constantes, rápidas, violentas pela sua rapidez e intensidade e nós estamos aqui a vivê-las. Flutuações horminais que nos bombardeiam desde o primeiro dia de gravidez até dois anos depois do parto que não nos permitem nem saber quem somos. Não é coisa de "mãe és uma linda flôr!" é coisa de "mãe és uma guerreira da p***!" O trabalho mental, espiritual e físico que ser mãe exige faz-nos ter que evoluir à força do cinturão branco até ao décimo Dan do Karaté (e acreditem que muitas de nós aprendem mesmo a lutar físicamente "através" dos filhos) em muito pouco tempo.
Toda a meditação, interiorização, nutrição, exercício, afastamento de energias, situações e pessoas negativas que seja necessário fazer para nos fortalecermos, estarmos equilibradas, aprendermos e cumprirmos essa tarefa é crucial. Mães precisam de tempo para elas, de outra forma não podem ser mães.

Mães precisam cuidar de si, antes de cuidarem dos outros. Mães precisam também poder ter os seus momentos de meditação e de loucura, mães precisam poder fazer xixi sozinhas. Isto ajuda as mães a estarem equilibradas, a poderem organizar as suas ideias, emoções e sentimentos.

Este texto dá-me espaço para falar de parto? De pós parto? Da criação das crianças? De tudo que é ser mãe? Quero rir... Para não chorar, e chorar de rir! Quero que se saiba tudo o que é ser mãe, mas um texto, um poema, um dia, não dá! É violento, é real e é lindo! Como pode?!!

Depois de tanto desconforto durante a gravidez em que temos que descobrir mil e uma maneiras de lidar com eles, porque nem tudo funciona para todas, temos que descobrir o que funciona para nós em específico e para isso temos que saber nos sentir e nos observar, vem parto.
Vem parto...! Vem parto que hoje em dia não é pensado para a  mãe, mas sim para quem assiste a mãe, é decidido com muito pouca opinião de quem o vai fazer - quem faz o parto é a mãe - e muito mais decisão de quem o vai assistir, e dos familiares adjacentes. As perguntas "o que é que sentes que deve ser feito, como desejas que seja o parto, dás-me licença para...?" são tão poucas vezes feitas que as mães nem mais fantasiam sobre isso. Nem têm noção que têm direitos, nem têm noção do seu poder de decisão, nem se lembram que também os seus desejos contam, que a sua intuição as guia, não têm o controle e soberania pelo seu próprio parto. "Ah... só quero que nasça saudável", passamos por tudo o que tivermos que passar, desde as contracções até à violência obstétrica, para que tudo fique bem para essa criança.

Pensamos sempre no parto como o fim da gravidez e o começo da vida externa do bebé. E, tufas! Esquecemos de nós! Todas as atenções viradas para o bebé, todo mundo se esquece de nós e de como precisamos recuperar a mente, o corpo e alma e todos os cuidados que isso inclui.
A gravidez não acaba no parto, o corpo, a mente e a alma passaram por todo um processo durante a gravidez que agora tem que ser revertido físicamente, e quanto a espiritualmente e mentalmente temos que continuá-lo, passar para a próxima fase "o quarto trimestre". Quando digo revertido fisicamente, é só mesmo a superfície da coisa, porque quer voltemos "à forma" quer fiquemos maravilhosas deusas curvilíneas e voluptuosas, esse corpo "não te pertence mais!" Nunca mais será o mesmo. E mentalmente é preciso saber encaixar isso de forma saudável.

Emocionalmente o dar de mamar é obra! Ninguém disse que na hora de dar de mamar à criança ia sentir o peito a estourar como fogos de artifício e o leite começar a jorrar antes mesmo do bebé fazer "nhée" de fome. Ninguém disse que durante as relações sexuais, sim, o leite ia sair expontaneamente, ninguém contou que ao tomar banho, com a água quentinha as mamas metralhariam leite para todas as direcções para onde se virasse.

Ninguém disse a muito boa mãe que por fosse qual fosse a razão misteriosa ela não teria leite... E quando isso acontece, em vez de se dar tempo, espaço e serenidade à mãe, porque a descida do leite depende muito de ela estar, relaxada, descansada, bem emocionalmente, vem mãe, vem, tia, vem vizinha, prima, avó, médico, enfermeiro, o pessoal da farmácia, o jacó da cunhada, toooodo mundo dar palpite sobre o que é que ela tem que fazer, como o corpo dela deve agir, sobre a capacidade dela de ser mãe, lamentar e desanimar a mulher. Se pudesse fuzilar toda essa gente...

E levanta infindáveis vezes à noite, "não esquece de pôr essa criança para arrotar"; e passa um dia inteiro de pijama; e tenta manter toda a casa, a si mesma e ao bebé organizados e limpos; e lembra do marido que ficou esquecido ali no meio de toda essa gestão e já começa a fazer ciúmes; e vem chefe, que acha que já deve te pôr falta na reunião passados 10 dias da cesariana, mesmo com a tua licença de parto; e lembra de completar os trabalhos da universidade antes que acabe a data de entrega; e recebe eternas visitas que em vez de ajudarem querem ser servidas; e acata as ordens do pediatra que mantêm criança viva, mas com que a criança não colabora de maneira nenhuma; e gere mais trinta milhões de palpites não solicitados sem mandar ninguém a lado nehum porque é falta de respeito; e gere as emoções que te causam todas aquelas frases que põem em questão a tua materniade...

E isto é só a superfície...
É um universo infinito a maternidade. Um buraco negro para onde nos atiramos e seja o que Deus quiser e a Deusa ajudar. Ser mãe não vem com manual de instruções, mas é possível sermos mais empáticas umas com as outras e fazer durante anos antes da gravidez, durante a gravidez, na criação das crianças, a conversa sobre ser mãe ser uma de abertura, de falar das realidades, de cultivo de sororidade e de entre-ajuda entre mulheres. É possível eliminarmos os medos e as ansiedades, os taboos e preconceitos, a fofoca e julgamento para podermos ajudar mais as mulheres a fazerem essa caminhada. Se engravidou quando não devia, se engravidou de quem não devia, se não está a lidar bem com a maternidade, se não quer estar grávida, nem criar essa criança, vamos acolher essa mulher. "Ela nessa situação, podia ser eu", é o que podemos pensar. Porque nenhuma de nós é imune às situações complicadas da vida.
Há um mundo todo de questões que se está a passar pela mente dela que tem um peso que ninguém pode imaginar, nem carregar por ela. O nosso dever é ajudar a aliviar a carga, não pesar mais, não julgar mais, não fofocar mais, não trazer mais negatividade, não trazer mais dúvidas. Não trazer mais lágrimas, mas deixar fluir dentro de um abraço sincero de coração aberto e enxugar as que já existem.

Há tanto desafio no ser mãe, tanta luta interna e invisível, que temos que nos lembrar que aquilo que uma mulher precisa é informação, respeito, compreensão, serenidade e tempo para ela poder encaixar tudo que é preciso, tomar as decisões que são melhores para ela e para a criança dela, que são diferentes das decisões que são melhores para nós e para as nossas crianças.

No fim de tudo, esse trabalho todo, esse sacrifício todo, essa loucura toda desaparece, mas desaparece mesmo, e toda a energia para aguentarmos mais não sei quantas doses disso quando aquela criaturinha nos sorri sem dentes, nos dá um abraço quentinho, um beijo de baba, um "te amo mamã" que nos faz sentir esse amor maior que todas nós babamos em todo o lado descontroladamente.



Ser mãe é a drena mais louca em que nos metemos em toda a nossa vida.

Feliz dia da mãe



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