domingo, 17 de maio de 2020

O lado oculto do ventre

Blood Moon, photo by Stephan Herb on Unsplash



Eu queria ter aprendido o que sei agora sobre o meu ventre quando era adolescente. 

Antes de entrar para a puberdade, eu mesma me ensinei o que eu achava que havia que aprender sobre o ciclo menstrual, sobre as mudanças que iam acontecer no meu corpo, sobre os novos artigos de toilette que ia precisar. Lembro de estar a estudar no Algarve nessa altura, e em vez de ir para o recreio nos intervalos das aulas, ia me refugiar do bullying e do racismo na quietude da biblioteca. O que é que eu gostava mais de ler? Tudo o que tivesse a ver com a puberdade, a adolescência e o sistema reprodutor feminino. Desde livros escritos para jovens até aos mais científicos, que diga-se de passagem ali na biblioteca da escola eram muito poucos, para além dos manuais de biologia. Estava na quinta classe.

O que todos esses livros não me ensinavam era o lado oculto do nosso ventre.
Ao aparecer a menstruação dois anos depois, chegaram e foram intensificando-se a cada ciclo os sintomas da endometriose a cada menstruação maior a dor. Tinha doze anos. Demorei dos doze aos vinte e sete anos a aprender o que guardava o meu útero para que se manifestasse daquele jeito, com tanta dor.

Aprendi que toda a condição física, tem uma raiz oculta que não está no nível físico. Todo o ventre tem uma existência oculta, que não se vê fisicamente, que não se ouve, mas se sente. O que há em nós que não se vê fisicamente, não se ouve, mas se sente? Os nossos sentimentos, as nossas emoções e os nossos pensamentos.

O ventre é o lugar onde se arquivam os nossos sentimentos e emoções. Também se arquivam os resultados dos padrões de pensamento que temos em relação à nossa condição feminina e à nossa sexualidade. Também se arquiva toda a nossa energia criativa e sexual. Também se arquivam memórias e informação de ADN.

Quando um ventre grita por cura, ele dói. Quanto mais intensa for a dor, maior é a profundidade do que é necessário curar. Carregamos no nosso ventre memórias, sentimentos, emoções, padrões de pensamento bons e maus, nossos e das nossas ancestrais. Estamos ligadas às mulheres da nossa família, às mulheres que nos antecedem pela energia dos nossos ventres que criaram uma e outra e outra.  E de ventre em ventre a história da existência dessas mulheres vai ficando escrita. Cada ventre que nasce, nasce com a sua história para escrever, mas carregado já de muitas outras histórias dos ventres que vieram antes dele, acumulando nele felicidade, saúde ou trauma e dor.

O meu ventre é um dentre milhares que carrega trauma e dor. Não é incomum a maior parte dos nossos ventres carregarem trauma e dor pesados e acumulados de geração em geração, pois como mulheres africanas passamos por muito. As mulheres que vieram antes de nós aguentaram muito. Muita dor, muita violação, muitos filhos, frutos dos seus ventres, roubados ou assassinados, muitos amores rompidos, muitos ventres traídos, muita subjugação, muita opressão, muita perseguição, muita mutilação, muita escravidão… São memórias que nos marcam por gerações a fio e devem ser curadas. O objectivo é aliviar a carga desses ventres para que a geração que vem a seguir venha mais leve para seguir o seu caminho neste mundo, sem ter que curar toda uma linhagem de ancestrais que não puderam fazer o trabalho de cura, mas cujas almas clamam por cura e liberdade. 
Essas ancestrais estão dia a dia connosco nos sussurrando, nos guiando, nos protegendo, nos orientando para que façamos o caminho da cura. Só depois de fazermos o caminho da cura conseguimos então estar livres para usarmos o poder criativo dos nossos ventres e manifestar a nossa missão no mundo. Porque também o ventre é o lugar da criação, o lugar onde reside toda a energia que temos para criar a nossa realidade.

A energia criativa, a energia do nosso ventre, fica estagnada, fica fraca ou fica intensa demais quando temos muito trauma arquivado. E quando ela fica desequilibrada ela acaba causando um mau funcionamento desses ventres e aí surgem as dores, as endometrioses, os miomas, os quistos, os ovários policísticos.

As medicinas tradicionais milenares, como a chinesa, têm o cuidado de ver o nosso corpo como um todo e não negligenciam o nosso sistema energético. Têm todas um conjunto de práticas regulares para adicionarmos ao nosso estilo de vida, que nos ajudam a manter o nosso sistema energético a funcionar bem, para que se promova boa saúde para os outros sistemas do corpo físico. O sistema energético circula pelo corpo como o sistema sanguíneo, e pelo sangue ele leva saúde e equilíbrio a todos os órgãos. Quando o nosso sistema energético está em desequilíbrio, a nossa circulação de sangue que oxigena, renova células, limpa toxinas, dá energia, movimento e actividade ao nossos corpos entra em desequilíbrio também. A distribuição de nutrição para os nossos órgãos não é ideal, eles começam a desempenhar mal as suas funções, a produção de hormonas entra em desequilíbrio e depois ouvimos que doenças como a endometriose, os ovários policísticos e os quistos e miomas têm a ver com desequilíbrios hormonais. Mas que também existe uma predisposição genética para elas… Também existe uma memória genética para elas… Também existe informação no ADN que nos predispõe a elas… Também existem memórias que passam de geração para geração que nos predispõem a elas… Também existem memórias que passam de ventre em ventre que se acumulam, que são demais para aguentar, que já estão tão graves a nível energético que se começaram a manifestar a nível físico.

Antes do nosso ventre criar, é bom o nosso ventre curar. Quando um ventre se cura, ele cura também a todos os outros ventres que o antecederam, pois estamos todas as mulheres da mesma linhagem ligadas pela energia dos nossos ventres. Quando uma mulher se cura a si mesma ela cura também todas as mulheres que a antecederam. Quando uma mulher se cura a si mesma ela liberta de traumas todas as mulheres que a antecederam e todas as mulheres que virão do seu ventre depois dela. Ventres têm energia de cura, de conexão de criação.

Esse era o lado oculto do ventre que não me contavam os livros na biblioteca. Essa é uma sabedoria que uma mulher conta a outra, que uma mãe conta a uma filha. É sabedoria que nos foi obrigada a calar, e oprimida, e também essa opressão faz parte daquilo que devemos curar. O calarmos e escondermos sempre tudo aquilo que diz respeito ao que dói os nossos ventres, por medo de vergonha, por medo de julgamento, por medo de exposição.

Essa é sabedoria que deve passar de mulher para mulher, para que nos possamos curar. E só nos vamos curar abrindo-nos umas para as outras, deixando a sabedoria fluir. Não retendo-a. Precisamos de muita cura. Precisamos nos abrir, falar, escutar com carinho e sem julgar, acolher, amar. Amar-nos umas às outras. Já sofremos demasiado por nos forçarmos a calar a nós mesmas e calarmos umas às outras.

Deixem a sabedoria fluir… Há segredos ocultos que livros não revelam, só corações abertos o fazem.


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